segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Capitalismo e depressão


Uma demissão: o vídeo

Há seis horas não se movia. Petrificado em sua baia, o escritório inteiro o espiava. A maioria cochichava. Um ou dois perguntaram algo e foram ignorados. Eu comentei com uns amigos pelo skype: coitado, o cara foi demitido pela manhã e ficou catatônico.

De repente ele começa a conversar no celular. Deve estar melhor. Levanta-se rapidamente e olha para a entrada do elevador. Eu também vejo o gerente com dois seguranças e dois caras do SAMU. Abaixa-se, e desesperado rodopia pela baia. Sentia na espinha o vexame: putaqueopariu o cara rodou feio. Antes que que eles cheguem ele corre até uma baia vazia. Comecei a tuitar

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Valentim e as Valentes









Quando disse ao meu camarada que iria entrevistar algumas profissionais do sexo que trabalham parque, ele nada disse. Fez que cara de "Vai lá, falô", me cumprimentou e seguiu até a Estação da Luz.

Caminhando ou sentadas em seus bancos, fingem-se absortas, despreocupadas, essas mulheres com mais de 40 anos. Poderia me enganar, mas basta um entreolhar para saber quem está ali para vender seu tempo. Conversei com elas, gravei alguns papos com e sem permissão. Fiquei sabendo da concorrência com as mulheres que ficam na Estação da Luz, das tretas com os maridos-gigolôs. O preço começa em 50. Se ficar quieto chega a 30, se chorar faz por 20. O quarto, 10 conto. Meia-hora. Uma hora. Certos clientes são mais fiéis que seus ex-maridos. Mas queria histórias de vida, confissões descaradas. Isso leva tempo e intimidade. Até que procurando na internet, achei esse documentário. Evidentemente, deletei meu material.




69 - Praça da luz / 69 - Luz Square from Bruno Zanardo on Vimeo.

Na Hora do Almoço




Morava perto do trabalho. Almoçaria em casa na segunda vazia. Mais: derrubaria a marmita do almoço de domingo-pais. O transporte na cidade açoita, mas ele vencia pagando aluguel caro. Caminhou dez minutos, elevador, porta, cozinha. Esquentou a lasanha e a carne no micro-ondas e ligou a tevê - não gostava de comer sozinho. Colocou no canal de filmes para afagar um pequeno orgulho: sempre descobria o final do filme. Roteiros são tão previsíveis como a vida, se empinava. Enquanto o molho de tomate quente escorregava pelo degraus da massa, uma mulher paria. A mãe chorava e quase morria, segundo os médicos. Enquanto isso o pai (irmão? Não, tinha certeza que era o pai) fugia da polícia. Mastigava a carne – deliciosa – e o pai tomava três tiros em frente a parede branca, fazendo arte com espirros de sangue. O filho nasceu molhadinho de vermelho quando ele garfou o último pedaço de lasanha. Limpou o prato, jogou na pia, jorrou água pra não grudar. Na volta lavava. Suspirou no sofá. A mãe morreu mesmo. O homem não era o pai. Errara. O filme tinha aqueles roteiros que entrelaçam distâncias, como em Babel. Subiram os créditos. A preguiça coçou, mas decidido matou a tevê. Disparou um ar pesado. Porta, elevador, dez minutos, trabalho.  

O livro e a rua


Na porta do cinema, na mesa de um bar, passando pelo MASP uma pergunta te assalta: gosta de poesia? São os escritores que vendem seus sonhos na rua. Nunca comprei. Estivéssemos na década de 80 era Plínio Marcos quem te abordaria. Vendedor ambulante de sua obra. Entre a República e o Roosevelt, lá estava ele. No livro Prisioneiro de uma canção, o dramaturgo santista conta esse período de sua vida.

Uma duas angolinhas
finca o pé na pampolinha
o rapaz que joga faz?
Faz o jogo do capão
Diga lá Mané João
que retire seu dedinho
senão vai um beliscão

Essa era a canção do prisioneiro. Ensinada na infância pela mãe, é repetida como um mantra, para suportar as adversidades da rua. Na época, Plínio sentia-se abandonado. Depois da luta contra a ditadura, a redemocratização jogou-o à solidão. Os militares caíram, mas a pobreza e a violência não. Para ele, a luta continuava nas quebradas do mundaréu. Entristecido, assistia ao sucesso dos amigos. Navalha na Carne, Dois Perdidos numa Noite Suja estava esquecidas. Estar na rua era sua resistência.

Olha o livro ruim e barato. Quem quiser pode chegar. Olha o livro. Pode olhar sem medo. Ele não morde, só xinga, e como xinga! Se a senhora encontrar uma página que não tenha pelo menos dez palavrões ganha um automóvel zerinho. Olha o livro ruim e barato! Dou autógrafo e prometo morrer logo pra valorizar o livro!”.

Era assim que ele vendia sua obra. Admirava e aprendia com outros ambulantes: “tem que ter artimanha. Gente que inventou o macete no trampo e nunca mais teve que encarar mau tempo”. Ele descreve a arte de conquistar as pessoas que caminham apressadas: uma frase, um olhar que desate em um sorriso, que renda o olhar duro. Aí ele te ouve, e se cair no papo, compra. “Camelô vende otimismo”.

Mas é um livro de memórias. Ele lembra de Santos, do circo, da infância, de Cacilda Becker, dos sambas com Geraldo Filme e Toninho Batuqueiro e dos inúmeros personagens que retratou, na corda bamba da vida e da morte. Passa as páginas dialogando com Cigano, uma voz cruel, zicando, censurando, dizendo que ele escapou da morte, mas sua vida seria uma merda. Autodepreciação sem intervalo comercial.

Quer comprar o livro? Sorte no sebo, porque livraria não tem. Seu teatro é fácil, mas livros como Nas Barras do Catimbó só nas bibliotecas. E poucas.

Você gosta de poesia? Olho para o rosto, mas não é Plínio Marcos.

É o Cleyton, que declama e vende suas poesias no MASP:






Mas há outras artimanhas e lugares inusitados para se vender livros. Este declama trechos de Meditações sobre o Tietê, de Mário de Andrade em plena marginal:






Picanha na brasa


A picanha assava na churrasqueira. 


Roberto sorria salivas; Soraia defendia os alfaces, se amargava com os maus tratos animais


Ninguém lembrava do salário murcho do Márcio, que tinha suas horas extras ignoradas no açougue. Ele só queria um telefone novo, igualzinho ao do Fábio, motorista do caminhão do frigorífico, que mais exibia que falava enquanto as carnes desabavam nos ombros dos outros. 


As carnes, por suas próprias patas, não vinham. Eram de longe, lá do Mato Grosso, lá onde Tarso tossia enquanto os bois marchavam pra morte. "Tadinhos: mas melhor eles do que eu", matutava. Ali no abatedouro abotoava-se num feliz vazio: era vigia, não era peão como seu pai, que tocava a boiada e queimava mato para aumentar pasto. 


Sobre o cavalo, o pai ruminava o fim de tarde. 

Moussakas também voam




Logo após assistir ao documentário Dívidocracia, sobre a crise grega, fui prestar solidariedades ao pais e à fome num restaurante típico. Bastou olhar o cardápio para perceber que a crise não ecoava por aqui. Mas ecoava nos comentários das mesas, que apontavam a culpa pros compadres de Platão. Povo, governo, tanto faz, todos os gregos incompetentes. É assim se vende o peixe – e os porcos.

"Ainda bem que só digerimos a filosofia", gracejou o intelectual que lê jornal. Um argentino se levantou, arremessou um prato no chão e protestou: “É da astrologia ou da economia tantos países gaguejarem falências? Um equatoriano quebrou outro prato: “O problema é a dívida que os governantes constroem. O povo paga e o capital estrangeiro agradece. Nós usamos a dívida odiosa, veja o filme”. 

Animado, levantei e joguei meu prato, mas ainda havia comida. Arremessei moussaka nas moças e nos moços. Vergonha pro tribunal de Haia. O prato quebrou porém. Em cada pedaço, o link para esse bom documentário. Ótimo para conhecer mais sobre o momento grego e pensar sobre nossas antigas e futuras crises econômicas.