terça-feira, 6 de setembro de 2011

O livro e a rua


Na porta do cinema, na mesa de um bar, passando pelo MASP uma pergunta te assalta: gosta de poesia? São os escritores que vendem seus sonhos na rua. Nunca comprei. Estivéssemos na década de 80 era Plínio Marcos quem te abordaria. Vendedor ambulante de sua obra. Entre a República e o Roosevelt, lá estava ele. No livro Prisioneiro de uma canção, o dramaturgo santista conta esse período de sua vida.

Uma duas angolinhas
finca o pé na pampolinha
o rapaz que joga faz?
Faz o jogo do capão
Diga lá Mané João
que retire seu dedinho
senão vai um beliscão

Essa era a canção do prisioneiro. Ensinada na infância pela mãe, é repetida como um mantra, para suportar as adversidades da rua. Na época, Plínio sentia-se abandonado. Depois da luta contra a ditadura, a redemocratização jogou-o à solidão. Os militares caíram, mas a pobreza e a violência não. Para ele, a luta continuava nas quebradas do mundaréu. Entristecido, assistia ao sucesso dos amigos. Navalha na Carne, Dois Perdidos numa Noite Suja estava esquecidas. Estar na rua era sua resistência.

Olha o livro ruim e barato. Quem quiser pode chegar. Olha o livro. Pode olhar sem medo. Ele não morde, só xinga, e como xinga! Se a senhora encontrar uma página que não tenha pelo menos dez palavrões ganha um automóvel zerinho. Olha o livro ruim e barato! Dou autógrafo e prometo morrer logo pra valorizar o livro!”.

Era assim que ele vendia sua obra. Admirava e aprendia com outros ambulantes: “tem que ter artimanha. Gente que inventou o macete no trampo e nunca mais teve que encarar mau tempo”. Ele descreve a arte de conquistar as pessoas que caminham apressadas: uma frase, um olhar que desate em um sorriso, que renda o olhar duro. Aí ele te ouve, e se cair no papo, compra. “Camelô vende otimismo”.

Mas é um livro de memórias. Ele lembra de Santos, do circo, da infância, de Cacilda Becker, dos sambas com Geraldo Filme e Toninho Batuqueiro e dos inúmeros personagens que retratou, na corda bamba da vida e da morte. Passa as páginas dialogando com Cigano, uma voz cruel, zicando, censurando, dizendo que ele escapou da morte, mas sua vida seria uma merda. Autodepreciação sem intervalo comercial.

Quer comprar o livro? Sorte no sebo, porque livraria não tem. Seu teatro é fácil, mas livros como Nas Barras do Catimbó só nas bibliotecas. E poucas.

Você gosta de poesia? Olho para o rosto, mas não é Plínio Marcos.

É o Cleyton, que declama e vende suas poesias no MASP:






Mas há outras artimanhas e lugares inusitados para se vender livros. Este declama trechos de Meditações sobre o Tietê, de Mário de Andrade em plena marginal:






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